O biquíni e a imagem da mulher na sociedade

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A moda tem um significado único para cada pessoa. Enquanto umas tem um relacionamento mais profundo com ela, considerando-a muito mais do que fabricante de roupas; outros são neutros em relação a moda, não a amam ou desprezam, apenas encaram ela como algo que faz parte de suas vidas, afinal, precisamos vestir algo para sair de casa.
Posso garantir que faço parte do primeiro grupo de pessoas. Acho que o jeito que nos vestimos diz muito sobre quem somos e como queremos que os outros nos vejam.


Adoro moda e acho que as tendências são muito importantes não apenas para o próprio mundo fashion, mas como também para a sociedade em geral. Tendências, que são formadas pelo gosto de um (ou mais) grupo(s) em particular, e que por alguma razão esta chamando a atenção de outros núcleos, afetam diretamente o comportamento das pessoas em uma comunidade. Geralmente, na moda, esses comportamentos se transformam em roupas. Quando falamos de roupas, pensamos, é claro, em calças, casacos, camisetas, vestidos, etc; certo?


No nosso cotidiano precisamos desse tipo de vestimenta, para trabalhar e até para a nossa vida social. Mesmo com os padrões tendo mudado muito nos dias de hoje (de qualquer maneira, ainda há “regras” a serem seguidas dependendo do ambiente que frequentamos) e as pessoas aparentemente terem uma mente mais “aberta”, sair em público de roupa íntima ainda é considerado algo pelo menos estranho. Então porque que, quando vamos a praia é aceitável usarmos biquínis?


Porque biquíni é considerado vestimenta (de verão) e faz parte do nosso guarda-roupa assim como aquela jaqueta jeans que eu tanto amo. Claro, essa peça não tem tanta importância no universo fashion quando comparado a outras vestimentas, entretanto, o seu valor tem aumentado muito desde o século passado.
Além do mais, se não fosse pelo biquíni, a imagem da mulher na sociedade poderia ser diferente hoje, assim como a própria concepção que temos do corpo feminino.
A pergunta que não quer calar nesse ponto é porque estou eu aqui enrolando e falando sobre biquíni. Bom, porque, muitos de vocês podem não saber (eu me incluo nessa) que dia 5 de Julho, um dia após o famoso 4 de Julho nos EUA (dia da Independência), é o Dia Nacional do Biquini no país.
Para eles até deve fazer sentido, uma vez que é verão no Hemisfério Norte. Além do mais, por ser feriado, as pessoas devem estar na praia relaxando com seus amigos, fazendo churrasco na beira da praia de dia e fogueiras a noite.
Para as mulheres, esse feriado significa poder levar consigo os seus melhores biquínis,  exibir seu corpo na frente de seus paqueras (quando não estão, na maioria das vezes, obcecando com a ideia de que sempre estará longe da perfeição) e comparar seu traje de banho com suas amigas.


Isso hoje é algo extremamente normal, não só nos EUA, como também em muitas outras culturas ao redor do mundo.
Por ser brasileira e viver em um clima tropical, ver mulheres de biquínis bem pequenos, com o objetivo de mostrar suas melhores curvas, é algo extremamente normal. As cariocas ficaram conhecidas por sua beleza, e o biquíni teve muito a contribuir.
Porém, o biquíni, logo quando foi laçado, foi negado por muitos, principalmente pelo seu fato de revelar o corpo da mulher considerado, na época (final da década de 1940), imaculado.
A história do biquíni é até que fascinante. Na realidade é a história moderna, uma vez que há relatos de moças romanas (por volta de 285-305 d.C) vestindo biquínis  de couro, mas esses eram permitidos apenas para se exercitar. Para nadar, as pessoas precisavam ficar peladas, uma norma para quem quisesse frequentar rios e lagos.


Porém, foi apenas a partir do século XVIII que a ideia de nadar como atividade se tornou popular. Antes, eram só os marinheiros que desfrutavam dos banhos de mares, entre uma folga e outra que tinham de seus deveres.
No início, para evitar contato com pessoas socialmente inferiores, os ricos e glamorosos (aka super divas), querendo preservar sua privacidade, usavam máquinas de banho (pequenas cabines sob rodas onde a pessoa se despia e era carregada até o mar), assim ninguém iria ver os trajes feios feito de lona dura (nada como uma máquina de banho para passar despercebido, não é?).


Os costumes começaram a relaxar quando as ferrovias (os “modernos” trens da época) passaram a encher as praias com pessoas de níveis sociais mais altos. Aos poucos, ir a praia passou a fazer parte da vida social das pessoas e o “ato” de nadar se tornou uma forma de entretenimento (e não apenas como um esporte). Como consequência, as mulheres passaram a tomar mais interesse pelo moda praiana, que até aquele ponto era extremamente conservadora e não se diferenciava em nada dos trajes de seus maridos.
Ao contrário do que se pensa, os trajes dos homens para ir a praia evoluíram com mais rapidez do que os das mulheres.


Depois da extinção das máquinas de banho, foi a vez dos trajes do lona também sumirem. Foram criados maiôs de lã ajustados para os homens, com mangas compridas e pernas, inspirados nas combinações populares da época e, ao que tudo indica, eram confortáveis, ao contrário do traje feminino. Para as mulheres, foram criados trajes de duas peças , inspirados no conjunto de marinheiro de período vitoriano.
Ainda forma criados para elas vestidos de flanela que iam do ombro até o joelho e calças bufantes de cintura até o tornozelo. Com a ideia de deixar os trajes mais graciosos e delicados, fabricantes de espartilhos fizeram modelos especiais inoxidáveis, adequados a imersão (quanta sensualidade e praticidade!). Entretanto, muita coisa não mudou, e nos anos 1920 as banhistas, que tinham tudo para ser belas ao saírem do mar, lembravam mais homens de sais (ou quem sabe homens escoceses?), graças aos trajes que escondiam suas curvas. A principal característica desses trajes era a androgenia.


(Homem medindo traje de banho das mulheres no anos 1920 para ter certeza que estavam de acordo com as regras padrões) 

Durante a década de 1930, o banho de sol passou a ser aderido entre os turistas e habitantes das cidades praianas. Ser bronzeado, que antes era característica marcante de escravos e homens -livres- que realizavam trabalho braçal á céu aberto; se tornou “moda” entre as classes mais altas, sendo considerado sinal de riqueza.
Se aproveitando dessa ideia, a empresa americana Jantzen, que até os anos 1930 era líder no mundo da moda praia, produziu em 1938 o maiô Sunaire, que tinha o top preso a perte inferior, e o Shouldaire, cujas alças podiam ser removidas para se obter um bronzeado quase completo. Para época, foi quase que um escândalo ter partes “íntimas” da mulher sendo reveladas dessa forma, a olho nu. Que escândalo!
Deve ter sido por isso, que, alguns anos antes, em 1907 para ser mais exata, o mundo passou a conhecer e a criticar Annette Kellerman, uma adolescente de 18 anos que enfrentou a sociedade rígida da época  e desafiou suas regras.


Annette, que encantava todos com sua beleza, foi a primeira mulher a tentar atravessar o canal da mancha. Porém, não foi por esse seu ato que até hoje é lembrada (embora esse ponto ajude).
Em 1907, a moça foi presa em Revere Beach, uma praia do estado de Massachusetts, nos EUA, por exposição indecente do corpo. Quando questionado pelo juiz o que fez Annette a não usar o traje de banho tradicional, ela apenas lhe disse que “era o mesmo que nadar acorrentada”.


(Annette Kellerman sendo presa)


(Charge dos jornais da época sobre o caso de Anette)

O motivo que demorou quarenta anos até que finalmente o biquíni fosse produzido é pelo fato que não havia ninguém na época de Annette para lhe apoiar. A mulher no início do século XX tinha um papel na sociedade muito diferente e reduzido do que nos anos 1940 (e muito mais diferente se comparada aos dias de hoje), e não havia tantas mulheres com a mesma coragem ou ideais da nadadora. Entretanto, ela foi, de forma indireta, responsável por fazer a roupa de banho, gradativamente, encolher.
E é nesse ponto que tudo se vira para um homem careca e com óculos fundo de garrafa.


(Louis Réard)

Em 1946, o governo dos EUA se apropriou de um pequeno grupo de ilhas no sul do Pacífico e lá ficou durante doze anos. O motivo? Precisavam de um lugar para testar vinte e três dispositivos nucleares (que óbvio, né?). E esse lugar se chamava nada menos (rufem os tambores) que Atol de Bikini.
Enquanto isso em Paris, um estilista chamado Jacques Heim havia projetado um maiô extremamente minúsculo e o batizou de Atome, proveniente da palavra átomo. Para divulga-lo, contratou aviões e mandou que eles escrevesse no céu: “Atome- o menos traje de banho do mundo!


(O traje de banho de Jacques Heim)

Não deixando que a poeira da propaganda de Jacques baixasse muito, esse tal careca de óculos fundo de garrafa, chamado Louis Réard (que era engenheiro de automóveis e designer amador de trajes de banho), lançou três semana depois o Bikini. O biquíni (nós falantes de língua portuguesa trocamos o K por QU) era formado por duas peças. A escolha do nome era simples: o biquíni causaria um impacto que seria equivalente ao de uma bomba nuclear (nunca em tão pouco tempo a química e a moda se misturaram tanto!).


(O primeiro biquini, cortesia de Louis Réard)

A criatividade que teve para criar o biquíni deve ter se esgotado na hora de promover o traje, pois Louis também mandou que aviões escrevessem no céu: “Bikini- menor que o menor traje de banho do mundo”. E assim nascia o famoso traje de verão da atualidade.
O biquíni, que era feito com 78 cm de tecido, causou, de início, um ultraje muito grande entre as pessoas, principalmente na Igreja Católica e seus praticantes. O traje expunha não apenas as pernas da mulher, mas como também toda a barriga e a região torácica.
Mesmo não sendo nenhuma novidade, pois as mulheres romanas já havia usado duas peças bem similares e o estilista Carl Jantzen havia proposto em 1913 uma versão bem semelhante, a única diferença era que na sua visão era camiseta e bermudas. E não vamos esquecer de Annette Kellerman. Porém o que importa é o timing, e com o início dos anos 1950 surgia uma nova mulher, com ideias próprios e com o desejo de mudar seu papel na sociedade.


(A modelo Marie Louise usando um biquini feito de luvas de borracha, do estilista Heffenden Richborough of Jantzen, como parte do Britmarine and Jantzen Summer 1976 Fashion Swimcap Collection; em 18 de Setembro de 1975)

Mesmo com algumas críticas, aos poucos o biquíni foi se popularizando e ganhando admiradoras ao redor do mundo. Eram muitas que queriam ter a honra de usar o primeiro biquíni, mas para Louis Réard só  havia uma mulher corajosa o bastante para usar sua criação: a dançarina exótica parisiense Micheline Bernardini.
A bailarina, que se tornou instantaneamente modelo no momento em que desfilou de biquíni, apareceu pela primeira vez com o traje em uma piscina pública de Paris, segurando uma caixa de fósforo na qual, aparentemente, a roupa mínima caberia sem nenhuma dificuldade. Para finalizar, Louis resolveu ser totalmente clichê e utilizar de novo aviões. Desse vez lia-se no céu “BIKINI” em letras de 12 metros de altura.
A estreia da biquíni pode ter sido um tanto que espalhafatosa na visão de muitos, entretanto, foi merecida para o público feminino. Claro, ao longo das década ainda enfrentamos muitos desafios e preconceitos, mas, chegamos lá, de uma forma ou de outra.


Hoje o biquíni é objeto de sedução e de poder. Mulheres usam ele para exibir seus corpos sem vergonha nenhuma, fazem os homens babarem (e não é isso que também queremos?) e ao mesmo tempo mostram seu poder de independência. Ao usar o biquíni estamos defendendo não só a nossa imagem como o nossos corpos. O corpo da mulher não deixa de ser imaculado só porque esta sendo exposto. Nós mesma somos responsáveis em torna-lo nosso templo, porque no final, o que vale é ter nossas ideias sendo colocadas em pedestais.



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