A roupa íntima e a sua influencia de moldar o corpo da mulher e a sua imagem na sociedade

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É engraçado como a moda esta presente em todos os lugares, mesmo naqueles que achamos que não existe um motivo para a sua presença. A forma como agimos, pensamos e nos portamos na sociedade acaba sendo refletida de maneira direta como nos vestimos, e, consequentemente, nas tendências que vão se formando no universo fashion.
E isso não é algo novo. Desde do início dos tempos precisamos de roupas por algum motivo. Os homens das cavernas precisavam de casacos de pele (de animais que eles mesmos caçavam, não iguais as nossas lindas e amáveis fur faux- onde nenhum animalzinho precisou ser sacrificado. Mas enfim, era a lei da sobrevivência, não é?) para se proteger do intenso inverno da era glacial (Alo Era do Gelo!) e usavam tapa-sexo (pelo menos é assim que aparece nos livros) para esconder suas partes íntimas.


Falando em tapa-sexo, foi o primeiro –literalmente!- casal mais famoso do mundo (sorry Brangelina!) a introduzir, de certa forma, a roupa íntima em nossas vidas. Todos nós sabemos a história de Adão e Eva e de seus trajes naturais (feitos de folhas verdes). Então, se pensarmos bem, a moda é muito mais antiga do que pensamos.
Claro, no tempo de Adão e Eva e do homens das cavernas, não havia moda, mas só um modo de tornar as coisas mais fáceis para sobreviver. Se os homens das cavernas usavam peles para se proteger do rigoroso inverno, o casal criado pelo Todo Poderoso, por algum motivo, precisava também assegurar que suas partes mais “preciosas” fossem escondidas. Entretanto, aos poucos, outras peças de roupas foram sendo introduzidas (também por necessidade) ao nosso guarda-roupa, nos dando, dessa forma, mais opções a escolher. Se vestir passou a ser mais uma questão estética do que de necessidade.  
Com tantas opções do que se vestir, um outro desafio nasceu: saber o nosso papel na sociedade em que vivemos. Hoje, temos mais liberdade para escolher como queremos ser vistos. Não há mais tantas regras para se vestir, principalmente se você for mulher. Nós mulheres, passamos por um bocado de problemas e desafios durante muitos séculos, tanto sociais, econômicos e principalmente estéticos.


Tudo acaba voltando para a nossa roupa de baixo, igual a Adão e Eva. Por muitos séculos, usávamos corpetes extremamente apertados por uma questão de aparências. No século XX, passamos a usar sutiã, o que, nos deu liberdade até certo ponto. Depois da nossa liberdade, veio mais opressão e precisamos queimar nosso suporte para mostrar que queríamos igualdade. Estranho como uma pequena peça de roupa pode gerar tal efeito. Porém, tanto os corpetes como os sutiãs eram um lembrete de que éramos mulheres, frágeis e distintas dos homens. Esses adereços nos lembravam constantemente que não tínhamos um papel importante na sociedade, e que precisamos agir literalmente como damas em perigo.


Como tudo na vida, o timing acaba sendo tudo. Se no século XIX usávamos corpetes para nos diferenciar das classes mais abastardas, nos anos 1980, usávamos para mostrar nosso poder como mulher independente e poderosa (Hello Madonna!). O sutiã, que precisou ser queimado em nome da nossa liberdade, hoje trabalha ao lado da mulher como uma arma de confiança, tanto para atrair o sexo masculino como para nos sentirmos bem com nós mesmas.
O que me leva a entender melhor o porque de dia cinco de agosto (05.08) ser o dia nacional da roupa íntima nos EUA (pelo o que eu entendi, vai do espartilho, sutiã, calcinha, camisola que nossas vós usam por baixos das roupas e até boxers dos homens). Assim como o biquíni- que também que tem o seu próprio dia-, a roupa íntima precisa ser celebrada como uma peça que exclama a nossa liberdade como mulheres e celebração do corpo humano como algo lindo.


Por ser alguém orgulhosa de ser mulher, resolvi me concentrar nas peças de roupa íntima que compõe o meu guarda-roupa ou fariam parte de eu tivesse vivido no século XIX. De fato, por muitos e muitos anos as mulheres sofreram com os espartilho em nome da beleza e celebraram sua feminilidade com os sutiãs. Viemos de muito longe e quebramos muitas barreiras (é só olhar o “mundo” da Victoria`s Secret e o seu desfile que acontece anualmente!), então, nada melhor sabermos como ocorreu essa jornada.

Espartilho (Corset):

Como eu já disse aqui anteriormente, nós mulheres passamos muitos séculos lutando por um lugar na sociedade. Lutamos contra a injustiça, pelo direito de votar e por uma boa educação. Entretanto, o que as mulheres mais batalharam foi para respirar dentro dos espartilhos. Elas (ou nós, sei lá) literalmente se transformaram em vítimas da moda em nome da beleza (e provavelmente de estar a par das últimas tendências), onde, se você não tivesse algumas costelas quebradas, problemas de coluna ou fígado deslocados, não fazia parte das classes mais ricas ou não estava se esforçando o bastante para estar “in” com as novidades.


(O corpo de uma mulher antes (E) e depois (D) do uso do espartilho)

Durante alguns séculos (do XV ao XIX- 15 ao 19-, para ser mais exata), mulheres ricas sentavam literalmente amarradas, precisando de seus empregados para as tarefas mais simples. Amarrar um espartilho por conta própria, por exemplo, era algo fora de cogitação, precisando, assim, de muitas mãos para essa tarefa árdua.
Não se sabe exatamente quem foi o criador dos espartilho, mas a teoria mais aceita sobre ele é de que foi feito para fins ortopédicos, por volta do século XVI- 16. Por alguma razão, alguém juntou um mais um e percebeu que poderia transformar esse espartilho em algo que moldasse a cintura das mulheres e, aos poucos, fosse perdendo alguns centímetros “indesejados”.


(Espartilho de 1795-1820)

Durante breves vinte anos (de 1790 á 1810), o espartilho saiu de cena e deu lugar a saias que caiam soltas do peito até o chão, e as mulheres, mesmo que por pouco tempo, puderam respirar fundo.
Entretanto, como tudo que é bom na vida dura pouco, o espartilho voltou depois de duas décadas, e mais forte do que nunca (literalmente). No século XIX os espartilhos passara a ser produzidos em massa e ele acabou sendo democratizado, sendo assim, o seu custo não era mais desculpa para não ser exprimido dentro do corpo feminino Para piorar o lado das mulheres, ele passaram a ser feito de barras de aço e barbatanas de baleia, ajudando, dessa forma, a moldar uma cintura minúscula, famosas na era Vitoriana.


(Silhueta ideal no final da era Vitoriana)


(Espartilho do século XIX)

Uma das primeiras adeptas dessa “moda” foi a Rainha da França do século XVI, Catherine de Médici, obcecada por estar sempre no controle. Ela ditava a forma como os seus cortesãos deveriam manter suas aparências, especialmente para as mulheres. Ela propôs que todas as senhoras da corte deveria ter uma cintura de 33 cm (AI!). Ela chegou até a criar um espartilho para que esse seu ideal se tornasse real. O espartilho era feito de uma estrutura de aço que ia do ombro até o quadril. Para não causar um desconforto e mal estar de imediato, as usuárias poderia ir aos poucos apertando o espartilho, até chegar na medida ideal.


O que Catherine de Médici fez, mesmo sendo radical, não se compara em nada com o que a imperatriz Elizabeth da Áustria, conhecida como Sissi (1837-1898) iria fazer no século XIX. A rainha da França poderia até ter sido adepta da moda dos espartilhos, mas Sissi foi a percursora desse movimento (mesmo sendo alguns séculos mais nova).
A imperatriz, que era uma mulher erudita, conhecida por sua educação e bom gosto, mas principalmente pela sua minúscula silhueta, que media impressionantes 41 cm.


Na época estava na moda a “cintura de vespa”, mas todos concordavam que Sissi estava levando essa tendência ao extremo, tendo sua cintura comparada com a de uma formiga. Porém, a obsessão da imperatriz com uma silhueta enxuta ia muito além. Ela tinha uma relação doentia com a comida, e era obcecada pela magreza extrema, chegando a passar seus medos doentios em relação a obesidade para seus filhos.


Sissi se exercitava bastante, comia quase nada e tentava ao máximo estar no controle de seu corpo. O verdadeira segredo da silhueta fina da imperatriz, entretanto, devia ser creditado quase 100% ao espartilho.  Para atingir seus padrões inimagináveis, ela foi até Paris e encomendou um espartilho de amarrar. Para ter certeza de que estaria a altura de suas exigências, exigiu que o adereço fosse feito de couro. Sissi levava em torno de uma hora para poder vestir e amarra o espartilho, mas ela estava disposta a tudo para chegar o que elas considerava perfeição. Ela é até hoje um dos maiores ícones do universo fetichista.
O espartilho reinou soberano durante quase todo o século XIX. As mulheres arriscavam sua saúde em nome da beleza sem nem pensar suas vezes. Mas não Amélia Bloomer, famosa feminista do final desse século.
Amélia, que escrevia um jornal para mulheres e era defensora dos direitos femininos nos anos de 1850, foi umas das principais ativistas que lutavam pela reforma do vestuário. Ela recomendava roupas menos restritivas e mais soltas, não marcando tanto as curvas do corpo das mulheres. Bloomer apostava em um visual que contava com uma saia larga em cima de uma calça solta, formando, dessa forma um visual mais andrógeno. Foram poucas mulheres de gosto elevado que seguiram a feminista, e o visual “Bloomer” acabou não vingando. Porém, ele voltaria com mais força no final do século, ganhando um pouco mais de atenção e visibilidade na sociedade.


(Mulher usando traje idealizado por Amelia Bloomer)

Amelia não foi a única defensora pelo fim do espartilho. Elizabeth Stuart Phelps, outra feminista defensora da reforma do vestuário, aconselhou as mulheres a queimarem seus espartilhos em nome do conforto e da saúde. Infelizmente, ninguém a escutou. Elizabeth, porém, se orgulharia em saber que milhares de mulheres saíram as ruas nos anos 1960 e queimaram seus sutiãs em nome da igualdade dos sexos, como se essa ideia (feminismo= queimar roupa íntima) tivesse ficado no inconsciente coletivo.
Com o início do século XX, a silhueta feminina mudou por causa de um novo modelo de espartilho usado por debaixo da roupa. Ele ainda apertava as damas chiques da época, porém, graças as novas tecnologias, não correia tantos riscos de saúde como antes. O espartilho, de formato Eduardiano, foi uma resposta as preces dos médicos que tinham medo dos riscos de saúde que as mulheres corriam para espremer suas silhuetas dentro de um uma peça de roupa tão mortífera.


(Espartilho da era Eduardiana)

Em 1907, a moda mudou mais uma vez, e o visual feminino se tornou mais longilíneo, igual a saia funil. O espartilho para esse look se tornou mais longo e reto, ao ponto de chegar ao alto da coxa. Ele limitava o andar, roçava as cochas das damas e impossibilitavam elas de sentar. No entanto, aos poucos sua estrutura foi sendo modificada e ele passou a ser feito com elásticos, permitindo uma maior flexibilidade e alívio para os pulmões.
No ano seguinte (1908), Fred Cox, diretor de marketing britânico, criou o Liberty Bodice como uma alternativa “saudável” ao espartilho tradicional. Mesmo com a invenção de um espartilho mais benéfico, muitos já estavam começando a se desfazer desses instrumentos de tortura e procurando alternativas mais confortáveis. As moças mais tradicionais, é claro, passaram a adotar o Liberty Bodice, esse, desprovido de estrutura e bastante flexível.


Com o estouro de Primeira Guerra Mundial em 1914 (durando até 1918), a vida de milhares de pessoas mudou completamente. As mulheres, que ficaram para trás enquanto seus maridos, irmãos e pais iam para guerra, se tornaram as responsáveis pelo seus lares. Muitas precisaram trabalhar para manter sustentar suas famílias. Vestir um espartilho, que levava quase uma hora para colocar, passou a ser visto como algo desnecessário para um ritmo de vida subitamente caótico. As melhores roupas eram aquelas mais soltas e confortáveis (o estilos das flappers se tornaram populares nos anos 1920 graças a leveza do visual, por exemplo), que poderiam ser usadas durante todo o dia sem causar cansaço. É nesse momento em que entre em cena o sutiã, o melhor suporte das mulheres.

Sutiã:

Assim como o espartilho, a origem do sutiã é desconhecida. Sabe-se que as mulheres de Creta já sabiam como dar aquela levantada nos peitos, que na índia usavam o kanchuka, na Grécia Antiga o apodemos e em Roma Antiga a mamillare. Mesmo sendo comum para as mulheres no Egito Antigo e de outras culturas exporem seu busto nu, elas usavam um tipo de suporte (semelhante ao sutiã) para dar suporte aos seus peitos. Ou seja, mesmo com o domínio do espartilho por tantos séculos, o sutiã sempre estava na moita a espera de seu momento para “brilhar”.


(Desenho de um kanchuka)


(Sutiã achado no Castelo de Lenburg na Áustria, século XV)

O London Science Museum existe um dos primeiros sutiãs encontrados , o criador, como já disse, é desconhecido, só se sabe que data dos primeiros anos do século XIX (mesma época em que o espartilho ganhava fama entre as classes mais ricas) e valorizava o busto.


(Sutiã do século XIX)

Na metade do século XIX, em 1858, Henry Lesher, de Nova York, patenteou um “substituto do espartilho”, que poderia proporcionar a mesma simetria que o espartilho já fazia, mas de forma mais confortável. Ao longo dos anos, o seu modelo sofreu várias alterações.
Pensando nas mulheres de busto farto, a estilista de lingerie Hermine Cadolle criou um sutiã, chamado Le Bien Entre (Bem- Estar) que sustentava os seios com alças, não com barbatanas, que eram as verdadeiras inimigas das damas. O seu trabalho foi tão surpreendente e inovador para a época que, foi um sucesso na Exposition Universelle, em Paris, e ganhou medalha de bronze na Associação de Mecânica Beneficente de Massachusetts.


Por volta de 1890, a palavra brassiére começou a aparecer nas revistas de moda, e em 1911 ela foi dicionarizada. Com a popularidade dos cinemas aumentando, em breve, o sutiã ganharia a tela grande.
E foi o que aconteceu em 1943, graças a ninguém menos do que Howard Hughes (Leonardo DiCaprio interpretou o famoso aviador e palyboy no filme “O Aviador”, 2004), que era um empresário, aviador e engenheiro. Ele usou seu conhecimento para resolver o problema de acomodar os seios da atriz Jane Russel no filme “O proscrito” (“Outlaw”), no qual ele era o produtor. Ele foi responsável por criar nada mais, nada menos do que o famoso sutiã push-up (Victoria’s Secret e milhares de mulheres tem muito o que agradecer a ele haha), que continha várias estruturas de aços próprias da construção de pontes. Obteve-se o resultado esperado, mas o desconforte era grande.


Em 1949, surgiu o sutiã cone, que algumas décadas mais tarde, ajudaria Madonna a conquistar o mundo da música com muitas polemicas. Criado pela costureira de Nova Jersey Ida Rosenthal (1886-1973), seu marido William e o lojista Enid Bisset (os três eram sócios da fábrica de roupas íntimas femininas Maidenform Brand, fundada em 1922), o sutiã ganhou foco após uma série de anúncios, que tinham o intuito de promove-lo, serem considerados “inovadores” para a época. Nos anúncios, as modelos apareciam em situações fantasiosas, com a intenção de provocar o público masculina e chocar (positivamente) o feminino. A campanha, chamada de “Campanha dos sonhos” foi revolucionária para a época. Permaneceu até 1969, chegando a ser mencionada na série de tv americana Mad Men (2007-20015).


(Um dos anúncios da "Campanha dos sonhos")

No final da década de 1960 o papel da mulher mais uma vez mudou na sociedade.  Elas lutavam, mais uma vez, pelo seu direito de igualdade junto ao sexo masculino e o poder de fazer suas próprias escolhas, trabalhar e ser uma pessoa independente. Ocorreu diversas manifestações, todas voltadas para o Movimento de Libertação das Mulheres. Em 1968, sutiãs foram jogados no lixo em Atlantic City, Nova Jersey; sendo retratados como símbolos de opressão. Embora a ideia inicial fosse incendiar o local, acabou sendo logo detida, já que o grupo na tinha autorização para fazer tal coisa. Anos mais tarde, com a mesma ideia em mente e agora com equipamentos de prevenção de incêndio a disposição, milhares de sutiãs foram queimados dentro das latas de lixo.



As mulheres precisaram se reinventar diversas vezes dentro de uma mesma sociedade, que evoluía, mas parecia não querer abrir espaço para o sexo feminino. O espartilho e o sutiã- principalmente- foram vistos como um símbolo de opressão, uma vez que eles davam suporte e protegiam umas das partes do nosso corpo que nos diferencia dos homens. Nunca desistimos de buscar nosso lugar de destaque no mundo em que vivemos. Lutamos para criar uma imagem de pessoas fortes e igualmente poderosas. Conseguimos, por fim, usar a roupa íntima ao nosso favor. Elas viraram ferramentas de autoconfiança, provocação (no bom sentido, as vezes), e, no fim, fizeram as pazes com o corpo feminino.



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